quarta-feira, 1 de agosto de 2018

FILÓSOFOS PRÁTICOS

O que alguns filósofos práticos, chamados nomades, vem dizendo por aí é que os deuses nao param de morrer e mesmo assim ninguém quer mudar.
Há uma falencia dessa vida dedicada aos ideiais platonicos, aos conceitos universais, aos absolutos fora da existencia, e todo mundo tá afundando junto, com medo do singular e do comum.
Certas narrativas sobre a humanidade estão destruindo a humanidade e a culpa ainda recai sobre os demonios, nunca sobre os próprios deuses.
Esquecemos que narrativas são narrativas. Inclusive sobre os deuses.
As pessoas estão de tal forma submetidas a teses, a teorias, a narrativas, a ideologias, enfim, crenças, que abandonaram completamente a vida em nome de algo fora dela, acima, transcendente.
Da vida como existencia pura, sem tese, imediata, foi tirado o valor, por um único motivo: é a vida real, a vida potente.
Fica essa luta insana para enfiar na vida uma tese da vida, enfiar na vida um conjunto de normas de como a vida deve ser. Quanta arrogância!
E a vida passa livre porque é informatável.
Mas os humanos viram esses miseráveis, separados do que são, separados do que podem, desesperados por poder, atormentados por sua pior criação: o juízo.
Enquanto houver julgamento sobre a existência, juizo de valor e intencionalidade nas ações, ficaremos assim: famintos de vida, pedintes de amor, doentes por saúde, vazios de desejo, movidos pelo ressentimento e pela culpa ( má consciência).

Farrapos humanos.

sábado, 21 de julho de 2018

A CULPA É DO MONOTEÍSMO

A maior descoberta dos séculos que nos antecendem é observar a importância das narrativas na vida humana. Freud deu início a um processo de utilização das narrativas para a cura da neurose humana.

E também temos visto que são as narrativas que nos adoecem.

Portanto, se narrativas curam e adoecem, cabe a nós escolhermos narrativas curativas. Ou estamos gostando de estar doentes?

Ou as narrativas estão tão intencionalmente construídas, para controle, que nem percebemos que estamos doentes. Só vemos a doença do outro. No outro.

Temos que aprender a viver sem intencionalidade nas ações. Eliminar os julgamentos. Discernir sobre uma realidade não necessita de julgamento aobre ela. O bem e o mal estão nas narrativas, não na realidade.

O homem se sente tão onipotente que se acha capaz de saber o que é Deus.

Quanta arrogância!

Biblias e narrativas  de revelações de experiências proféticas.

Vamos parar com esse história de mito??

Só os que falaram com Deus conhecem a verdade.

O problema é que Deus disses coisas diferentes para cada um. E agora?

Se tem uma coisa que a experiência religiosa não é, é coletiva. Massificada.

Deveria ser uma experiência singular.

O ocidente precisa para de acreditar que sua existência começa na Grécia.

Precisamos ressaltar que quando os colonizadores chegaram nas Américas, Áfricas e Índias, havia muito povos, com suas maneiras de vida.

A NARRATIVA de que eram terras com meia dúzia de primitivos, era para esconder uma realidade cruel de extermínios.

Narrativas políticas, religiosas e científicas nos convenceram de que somos um lixo diante de Deus. Incompletos.

Ajudando você a esquecer que somos atributos do próprio Deus.

Não há nada de negativo, triste e impotente, nada de mal na “natureza” do ser humano.

Só sob uma realidade triste e impotente, da economia de opressão e poder, nos tornamos violentos, cultivamos ódios, destruimos os outros, também atributos de Deus.

Que heresia!!

Havia uma sabedoria da vida que foi dizimada para porque se fundava em outras perspectivas.

O monoteísmo tornou-se instrumento de massificação da experiência religiosa para cooptação das potencias dessas massas. Rouba nossas potências para si. Deixa-nos com o mínimo para sobreviver e continuar ofertando potencia.

Deus não pode ser reduzido a uma unidade!!!

terça-feira, 17 de julho de 2018

Hakim Bey e as Comunidades de Resistência

Entrevista com Peter Lamborn Wilson, mais conhecido como Hakim Bey. 

Incompleta gravaçao em maio de 2009, onde o escritor fala entre outros assuntos sobre a origem do estado e a formação e e expansão de comunidades libertárias como estratégias de resistência.

Parte 1

Parte 2

Parte 3

Parte 4

segunda-feira, 16 de julho de 2018

VONTADE DE ESTADO


O Estado não existe. É um nome. 

O nome que damos a uma instituição que inventamos, mas ele em si não existe. Pelo menos não sem nós para inventá-lo.

Poderia se dizer que uma vez inventado ele passa a existir por si.

Mas não existe nada que exista por si se não em existência. Potência em ato.

Portanto, voltando, o Estado precisa de nós para existir.

Sendo assim, poder-se-ia supor que ele deixaria de existir se nós não o fizéssemos existir.

Mas para se desinvestir na existência de um Estado, de um tutor, de um legislador que, lembro, nós inventamos para nos tutelar, normatizar, normalizar, precisaríamos crer que não necessitamos de tutela, de norma, de normalidade.

E nos vemos tão pobres de potencia, de forças para a alegria, de capacidade de autonomia, que temos Vontade de Estado.

Aí não tem Cristo que dê jeito.

NATUREZA MORTA


A arte morreu?

Não, não temos o poder de eliminar nem a arte, nem a natureza, nem o devir, nem o desejo, nem a realidade.

Mas temos nos exercitado muito no desenvolvimento de um poder, ressentido, de sufocar a arte naquilo que ela tem de intensivo, fingindo que ela é extensiva.

A arte continua brotando porque ela é quase como o ar de sobrevivência do ser humano. Ou ela é o próprio ar que depois que se inspira se expira.

Mas assim como o desejo que não cessa de se criar, a arte também é cooptada a todo instante. Está cada vez mais difícil produzir fora do alcance da cooptação do poder. No mundo em que estamos inseridos, na loucura da maquina destrutiva de vida do capitalismo, assim que algo se cria imediatamente se torna produto. No mal sentido desse sentido.

Aliás, antes mesmo de ser criada, a criação já está capturada porque os meios de produção estão sob controle. Materiais e imateriais.

E se algum respiro fora do esperado eclode, um pernicioso processo se instaura imediatamente para esvaziar a intensidade da criação tornando-a apenas mais uma forma. E glorificamos a forma como se ela fosse o sinônimo do ato criativo, sendo que esse já não se faz mais presente. No instante em que glorificamos a forma estamos justamente a esvaziando de sua intensidade. Estamos muito bem treinados para colaborar com nossa própria escravatura.

A única possibilidade de sobrevivência de uma zona de criação é desinformar a forma antes dela ser esvaziada, para que ela não se separe, não se distinga da intensidade da qual participa. Ou antes, percebe-la como intensidade. Não separar mais a forma do seu conteúdo, o corpo do seu espírito, o acontecimento do seu devir, o desejo do seu sujeito, Deus da existência.

E o que o artista de hoje não sabe é justamente ver a forma de forma indistinta da intensidade, já que ele se tornou, justamente, o criador de formas. O reprodutor de ideais, quando não das convenções e dos hábitos, reprodutor dos ideais esvaziados de existência, carregados de verdades, mais socialistas, mas ainda verdades.

Nem a performance, o eventual, mantém sua eventualidade porque o próprio artista já é o passado do que deveria ser. Por mais que ele acredite estar criando no momento presente, e está, ele cria a partir das suas marcas, das marcas e ressentimentos coletivos. É um reprodutor, muito longe de ser um criador.

Nem o teatro, a arte do presente por excelência, da efemeridade, encontrou sua desterritorialização, trancado nas salas de espetáculo, amarrado aos textos, às convenções do existir de pessoas impotentes.

E mesmo se toma as ruas, se se entrega aos improvisos, se tenta imaginar novas existências, perde o único instrumento de que se valeria para ser teatro: o acontecimento. E por acontecimento não podemos nos iludir em encontros e diálogos vestidos pela hipocrisia da qual sequer conseguimos nos despir.

Carregada de sentido, significados e intencionalidade a arte se afoga em seus lamentos, evapora no fogo de suas reatividades e se perpetua, inevitavelmente, impotente.

Não à toa ainda se vê arte justamente nos pontos mais distantes das galerias, das academias, das livrarias, das cidadanias...

A lógica é simples: não tem como a arte ser viva onde a natureza está morta.

terça-feira, 3 de julho de 2018

Sem Redes

Cansada do contato humano medíocre, fechei meu facebook e instagram. Porém resolvi manter meu twitter já que minha profissão é pública e julgava necessário manter contato público.

No entanto, me envolvi numa discussão com eleitores do Bolsonaro e eles se agruparam para denunciar minhas postagens ao twitter, que acatou as denuncias me bloqueando por 24 horas.

Eu que abomino castigos e abomino ainda mais bolsominios, fechei minha conta do twitter.

Ou seja, agora caminho sem redes. E, sinceramente, é a única forma que vejo como possibilidade de me preservar do vírus de ignorância que está atacando o planeta.

Estou de tal maneira enojada com a mediocridade que assola a maioria da humanidade que a solidão tem sido mais alegre.

domingo, 24 de junho de 2018

DEUS SOMOS TODOS


O que me irrita nos religiosos, ou os que se dizem crentes num Deus transcendente à nossa existência, é que não conseguem realmente aceitar que DEUS somos nós.

Uns, os reais cristãos, ainda entendem que Deus está dentro de nós.

Não está.

Nos atravessa. A todo instante. Somos, se somos algo, seus atravessamentos.

Se assim vivêssemos, cessaríamos todas as más atitudes para com qualquer ser deste e de qualquer planeta.

As pessoas querem me fazer acreditar que elas respeitam os próprios dogmas que vomitam.

Mas se comportam como se DEUS não existisse realmente.

Justamente porque o fato de colocarem Deus fora da existência, transcendente à ela, os faz sentir uma infinita frustração nessa existência.

A religião, ou as religiões, são narrativas que desqualificam a existência humana, porque ela não alcança  a perfeição divina.

E se não somos perfeitos podemos ser maus. Depois pagamos a dívida.

Pára!

O Poder se alimenta da sua frustração com sua existência.

Ser Potente é um ato revolucionário. Ser nômade no modo de existir. Ser devir.

segunda-feira, 11 de junho de 2018

SOMOS FICÇÕES

Quando me dou conta de que sou ficções, as coisas passam a mudar de figura. 

Mudar suas figuras, deixando de ser fixações do que sou, ou posso ser, ou tenho sido, para se tornarem possibilidades.

Ficções se perpetuam através das narrativas. E essas não podem deixar de variar.

Quando deixam de variar tornam-se dogmas.

E narrativas não são para serem dogmas.

São para serem narrativas. E se narram, narram algo.

Se forem se o algo é fixo, deixam de ser narrativas para virarem normas.

Narrativas são dinâmicas porque narram acontecimentos. Ou deveriam.

Tornemos dinâmicas as narrativas que nos definem.

Isso, em nada diminui tudo que se pode ser.

Não se pode eliminar as ficções. Não agora.

Mas deve começar a criar "espaço", distancia, das ficções que se assumiu como substrato de si.

Chega de Si Mesmo.

O Si é movimento. Não se move. É movimento.

ME CHEGANDO


Eu realmente cheguei no meu limite de relacionamentos pelas redes sociais.

Embora eu saiba que são muito mais ágeis, e até sou defensora dessa ferramenta como arma contra as máquinas de guerra que nos agridem o tempo todo, também percebo que a AUTONOMIA é a palavra de ordem.

Meus textos no meu blog podem sofrer o mesmo controle que sofrem em qualquer instrumento de comunicação, mas aqui TODAS as regras são minhas.

Se aquilo que escrevo faz ou fizer algum sentido para alguém, além de mim mesma (o que já me basta), os alguém se achegarão.

Bora!!

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

GOLPE BRANCO PARLAMENTAR



Golpe de Estado é a tomada de um poder de forma ilegal.

O termo surge em 1639, cunhado por Gabriel Naudê, embora rupturas institucionais e tomadas de poder sejam conhecidas desde antes de Cristo e o termo só tenha sido efetivamente empregado na modernidade.

Com o refinamento das ciências políticas, as revoluções, tomadas de poder, revoltas, rebeliões e golpes foram sendo diferenciados.

As revoluções passaram a se referir às tomadas do poder com rupturas profundas causadas por participação popular, ligadas a movimentos sociais, e “golpe” foi o termo reservado às articulações de pequenos grupos políticos que renegam as vias institucionais (o voto, por exemplo) para a tomada do poder do Estado utilizando-se de diferentes artifícios para a conquista de seus objetivos.

Os golpes por usarem vias “extraordinárias” para a conquista do poder estão sempre associados à violência armada, na maioria das vezes sustentada por forças militares.

No Brasil, a palavra “golpe”, no contexto político, ficou conhecida referindo-se ao chamado “Golpe de 64”. Embora por muitos anos os acontecimentos da época tenham sido chamados de Revolução de 64, as análises políticas dos mesmos, com o passar do tempo, revelaram que o termo “revolução” foi utilizado para encobrir o que de fato havia sido um golpe de Estado (organizado por uma elite política) e a consequente instauração de um regime autoritário: a ditadura.

Como a destituição do presidente João Goulart foi sustentada pelas Forças Armadas, o Golpe de 64 ficou comumente conhecido como um “golpe militar”. De fato, o Golpe de 64 não foi exclusivamente militar, uma vez que, segundo diversos historiadores, alguns segmentos da sociedade apoiaram a ação, sendo, portanto, considerado um golpe civil-militar, porém não se constituiu como revolução por não ter tido apoio popular.

Outras tomadas de poder do Estado, de diferentes naturezas, ocorreram na história do Brasil, embora só recentemente essas ocorrências venham sendo reconhecidas, ou esclarecidas, como golpes de Estado. Pela falta de informação específica propagada nos discursos oficiais, sobre a real história política do Brasil desde a monarquia, o brasileiro comum tem a impressão de que o golpe militar de 64 foi o único evento de destituição ilegal de estadistas no país.

Outras formas de destituição de estadistas são previstas em lei, a exemplo do impeachment, ou impedimento, constante na legislação de vários países.

Na modernidade, com o avanço dos Direitos Humanos, com a Declaração de Direitos dos Povos da ONU, com o desenvolvimento das organizações democráticas e do refinamento das cartas magnas (ou Constituição), os golpes militares foram sendo evitados.

A partir do século XX, e principalmente no XXI, novas formas de golpe de Estado começaram a ser desenvolvidas sem o uso ou a participação das forças militares, que inclusive são bastante dispendiosas tanto para a realização da tomada do poder quanto para a manutenção dele.

Vem se desenhando uma forma de tomada de poder ainda ilegal, porém com “aspecto de legalidade” e bem mais econômica, o chamado GOLPE BRANCO (ou golpe suave, golpe brando, golpe pós-moderno, etc.).

Utilizando-se de técnicas conspiratórias não frontais e não violentas, o GOLPE BRANCO caracteriza-se, como todo golpe, pela ilegalidade que objetiva a troca de liderança política, mesmo que se utilizando de meios parcialmente ou totalmente legais.

Mas como pode ser ilegal e se utilizar de meios legais?

Esse é o requinte dessa nova modalidade de golpe.

A tática principal é provocar uma desestabilização do poder vigente até a sua queda, seja por renúncia, suicídio ou derrocada, camuflando assim a participação ou ação dos golpistas.

Norberto Bobbio, filósofo político, afirma que a diferença entre o GOLPE BRANCO e o golpe de Estado tradicional (além da ausência de violência armada) é a aparência de legalidade conseguida (por exemplo, ritos mantidos sem conteúdo), ainda que “fundamentada em interesses ilegítimos e conspirações políticas”.

Gene Sharp, cientista político ainda em atividade, nomeado três vezes ao Premio Nobel da Paz por seu extenso trabalho sobre lutas não violentas, tornou-se o principal formulador das táticas de desestabilização governamental sem enfrentamento direto.

Em seu livro “Da Ditadura à Democracia”, Sharp inspira uma lista de procedimentos pacíficos para desestabilização de governos. A principio, seu trabalho parecia indicar a desestabilização de governos imperialistas, no entanto, foi na revolução egípcia de 2011 que começaram a surgir as críticas mais explícitas ao seu trabalho, sendo acusado de ligações com a CIA e o Pentágono.

Reais ou não as ligações de Sharp com o governo estadunidense, a prática é utilizada há cerca de quinze anos pela CIA para derrubar governos considerados indesejáveis pelos Estados Unidos sem provocar indignação internacional. A práxis já foi (ou está sendo) empregada na Venezuela, em Honduras, no Paraguai e pode ser também observada nas “revoluções coloridas” no Oriente Médio.

No Brasil ainda prevalece o conceito clássico de golpe de estado militar, criando, inclusive, uma identidade entre a palavra “golpe” e a tomada de poder por militares. Sendo assim, para o senso comum do brasileiro todo o golpe é militar, porém essa não é a realidade.

A construção e fixação desse conceito (parcial) de golpe no imaginário brasileiro obscurece a visão para outras articulações políticas que também objetivam a tomada ilegal de poder.

Juan Gabriel Tokatlian, especialista argentino em relações internacionais, cunhou a expressão “neogolpismo” ou “novo golpismo” para se referir a uma situação em que há conspiração política para se derrubar um presidente mantendo-se uma aparente normalidade institucional. Diversos especialistas também consideraram que esse seria o caso das crises políticas ocorridas em Honduras em 2009 e no Paraguai em 2012.

Em artigo publicado no Portal Vermelho, em meados de 2014, a jornalista Vanessa Martina Silva descreve todos os procedimentos utilizados para a desestabilização do governo venezuelano, agora sim orientados diretamente por Sharp, impressionantemente semelhantes às atuais ocorrências na política brasileira. A articulista ainda afirma que foi “o mesmo processo pelo qual passaram (ou estão passando) a Geórgia, Sérvia, Líbia, Paraguai, Honduras, Tailândia e Síria”.

Assustadoramente idêntico ao caso venezuelano, o processo brasileiro começou com a acusação de uma fraude eleitoral não fundamentada e frustrada, portanto. Em seguida, dá-se início a uma sequência de táticas de desestabilização do governo: denúncias e/ou suspeitas de corrupção voltadas apenas para políticos do partido da situação, manipulação do dólar, fomentação de opiniões centradas em déficits reais ou potencias, propagandas anticomunistas, acusações forjadas de totalitarismo do Estado, fomento de mobilizações de rua, impulsionamento de campanhas de retorno das forças armadas, geração de um clima de ingovernabilidade e etc. Todas essas táticas são verificadas em ambos os processos de golpe citados.

Evidentemente os citados instrumentos da referida desestabilização encontram eco em administrações frágeis, em crise econômica e insatisfação social, o que não justifica a ilegalidade da ação golpista. No entanto, verifica-se que a ação do golpe brando depende de condições favoráveis para sua efetivação.

No Brasil, o GOLPE BRANCO teve a característica de GOLPE PARLAMENTAR, conforme críticos do recente processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, que encontra semelhança com o GOLPE BRANCO no Paraguai.

Embora as táticas de desestabilização do governo Dilma venham sendo aplicadas desde o primeiro mandato, foi a vitória de sua candidatura para o mandato subsequente que provocou uma intensificação de tentativas mais diretas de derrubada do governo.

Junto com a reeleição da presidenta, subiu ao parlamento a configuração mais conservadora e neoliberal que o legislativo brasileiro já teve, interessada em implantar políticas de retratação de direitos civis e trabalhistas, políticas de entreguismo e políticas de redução no investimento social, programa esse que não venceu as eleições presidenciais.

No entanto, a reeleição de Dilma Rousseff esteve associada a partidos que foram sua base aliada no mandato anterior e que supostamente garantiriam uma governabilidade com ajuda do Poder Legislativo.

A todo esse cenário somou-se um fator fundamental: o escândalo da Lava Jato, que trouxe à tona possíveis ilegalidades cometidas por um exorbitante número de parlamentares, do partido governista, de partidos aliados e não aliados, levando o país para uma insustentável crise política.

O parlamento brasileiro não só estaria apinhado de corruptos, como parecia estar sendo liderado pelos piores dentre eles. Em janeiro de 2015 sobe à presidência da Câmara dos Deputados o parlamentar Eduardo Cunha, já conhecido e não apreendido por inúmeros crimes anteriores.

A partir desse momento, semelhante ao caso paraguaio, o governo perde sua maioria no Congresso e se torna refém do mesmo. Tanto o governo paraguaio quanto o brasileiro passaram a ter dificuldades em resolver problemas econômicos, administrativos e sociais sem a colaboração do Legislativo. Aprofundam-se, então, as bases para o que se caracterizaria por um golpe parlamentar em ambos os países.

No entanto, a característica do GOLPE BRANCO é a aparente legalidade de sua conduta. Nesse momento, o terceiro poder da democracia brasileira, o Poder Judiciário, entra em cena para compactuar e legalizar os procedimentos.

Às vezes por omissão e outras por questionável interpretação das leis, o terceiro poder passa a corroborar com as articulações empregadas.

Tendo o Legislativo, em suas duas instâncias, a liderança de parlamentares fortemente acusados de desvios e corrupção, o Poder Executivo fica encurralado propositalmente.

É comum aos GOLPES BRANCOS a tentativa de pressionar o governante à renúncia. Porém, tanto no Paraguai quanto no Brasil essa tentativa foi frustrada.

Conforme as características de cada Constituição, o processo de “legalização aparente” do impedimento da presidência varia.

Demorou algum tempo para que o grupo político golpista encontrasse, no Brasil, as brechas necessárias para gerar a aparência legal no processo ilegal de tomada do poder.

Estando o governo sem respaldo do judiciário, o GOLPE BRANCO PARLAMENTAR brasileiro não encontrou dificuldades maiores para se consolidar dentro da aparência de normalidade institucional, de compatibilidade democrática e de suposta legalidade.

É fundamental destacar que o GOLPE BRANCO, por não se impor pela força física, depende, ainda mais que o golpe de Estado tradicional, de algum respaldo na sociedade.

Em todos os países que sofreram GOLPE BRANCO, a elite e a classe média alta serviram como força fundamental para a consolidação da tomada de poder, já que o neogolpismo está sempre associado ao poder do capital e a um programa econômico neoliberal.

E em alguns casos, como no Brasil, a mídia fez o papel determinante para arrebanhar essas forças civis necessárias.

campanha imagética contra o governo é a principal tática de produção de um mal-estar coletivo que termina por interferir na economia do país, paralisando investimentos e consumo, gerando insegurança, além de construir uma aversão desproporcional contra a figura do líder do Executivo.

No caso brasileiro somou-se à campanha imagética o fato de o chefe de estado ser uma mulher, possibilitando todo um discurso machista e misógino para desconstruir a imagem de confiança.

Porém, para além da construção imagética, os grandes grupos que controlam os meios de comunicação no país criaram um discurso homogêneo, omitindo importantes fatores da dinâmica política, da administração pública, das denúncias contra políticos ligados ao golpe, etc., tendo uma participação extremamente importante para as táticas do GOLPE BRANCO.

Não foi diferente em outros países.

Para o professor Luis Felipe Miguel, da Universidade de Brasília, o processo só foi possível por uma articulação de forças importantes no poder brasileiro: “esse golpe não é só parlamentar, ele foi viabilizado pela ação de inúmeros setores. Com destaque para setores importantes, como o aparelho repressivo do Estado, a Polícia, o Ministério Público, o Judiciário e também com destaque para a participação da mídia em sua esmagadora maioria. (…) O golpe aparece como uma janela de oportunidade para (…) que políticas derrotadas nas urnas fossem implantadas de forma acelerada”.

O que sem dúvida aconteceu. Antes mesmo da definição final do impedimento da presidenta, o governo interino deu início a mudanças estruturais aceleradas como se o resultado do processo já fosse conhecido. Um jogo de cartas marcadas.

No caso da Venezuela, ainda em desenvolvimento, as forças populares têm conseguido evitar a eficácia do GOLPE BRANCO que vem sendo tentado há anos, em diferentes frentes táticas.

Já no Brasil, apesar dos inúmeros projetos sociais implantados com sucesso pelo Partido do governo na última década, a relação entre Poder Executivo e movimentos sociais, causas de minorias e necessidades estruturais, não foi fortalecida, facilitando o desenvolvimento do golpe. O afastamento do governo de suas bases sociais, inclusive por decisões contraditórias ao programa de governo proposto, foi campo fértil para a implantação das táticas descritas.

Cientistas sociais, historiadores e autores entendem que o GOLPE BRANCO resulta da responsabilidade de todas as partes envolvidas, já que depende de um conjunto de fatores, ações e circunstâncias, diferentemente do golpe tradicional, que efetiva seus objetivos através da força armada, impondo-se à realidade. Porém, embora haja uma partilha de responsabilidades ainda sim é um ato de ilegalidade e, portanto, violência contra o Estado de Direito, o regime democrático e, em última instância, contra o povo.

No Brasil, quando a população começou a perceber (a parcela que percebeu) que estava diante de uma verdadeira ruptura institucional, todo o poder de decisão já estava centralizado nas mãos do grupo político golpista e o Poder Judiciário já estava neutralizado.

Diferente do Paraguai, em que a destituição efetivou-se em horas, sem possibilidade de defesa do presidente (ruptura do Estado de Direito), o processo no Brasil de construção da aparência de legalidade (e todas as dificuldades de negociação entre o heterogêneo grupo golpista) tomou alguns meses.

Podemos então resumir que o GOLPE BRANCO PARLAMENTAR necessita, fundamentalmente, das seguintes condições:
  • Um governo voltado para políticas sociais e distribuição de renda
  • Uma maioria parlamentar neoliberal
  • Um sistema judiciário neutro ou corruptível
  • Um monopólio midiático
  • Uma elite e alta classe média aliadas
  • Uma força policial
Embora os princípios táticos sejam não violentos, tem-se verificado que a força policial vem sendo necessária em muitos casos, para manutenção da situação de troca de poder, principalmente porque os novos projetos implementados são contrários aos interesses das classes sociais externas ao golpe.
Uma nova forma de Estado de Exceção duradouro se estabelece justificado pela necessidade de reorganizar as instituições, abaladas pela mudança de chefe de estado.

Alguns autores entendem que o neogolpismo está caracterizado por um processo jurídico-político, sustentado por uma força policialesca.

Essa modalidade de golpe é ainda é muito nova, historicamente, e, portanto, todas as suas variações, consequências e formas de resistência estão sendo literalmente experimentadas, enquanto vão sendo teorizadas ou vão sendo criadas perspectivas críticas.

As implicações jurídicas ainda estão sendo refletidas (as relações entre Estado de Direito e Estado de Exceção estão sendo revistas), a presença das forças religiosas está sendo observada, as reações populares que vêm se diferenciando progressivamente ainda precisam encontrar novas formas de resistência, enfim, os processos estão em pleno andamento.

Talvez, o único ponto de que se tem convicção é que o GOLPE BRANCO é uma modernização do golpe de Estado, porém continua sendo um instrumento de poder de um mesmo vetor inicial: o CAPITAL FINANCEIRO.

(esse texto é um apanhado geral e inicial de informações sobre teorias do neogolpismo, a partir de diversos artigos, com o intuito de incentivar o interesse do leitor a buscar outras formas de observação da realidade em que estamos inseridos)

texto originalmente publicado na REVISTA LINGUA DE TRAPO.