A arte morreu?
Não, não temos o poder de eliminar nem a arte, nem a
natureza, nem o devir, nem o desejo, nem a realidade.
Mas temos nos exercitado muito no desenvolvimento de um
poder, ressentido, de sufocar a arte naquilo que ela tem de intensivo, fingindo
que ela é extensiva.
A arte continua brotando porque ela é quase como o ar de sobrevivência
do ser humano. Ou ela é o próprio ar que depois que se inspira se expira.
Mas assim como o desejo que não cessa de se criar, a arte também
é cooptada a todo instante. Está cada vez mais difícil produzir fora do alcance
da cooptação do poder. No mundo em que estamos inseridos, na loucura da maquina
destrutiva de vida do capitalismo, assim que algo se cria imediatamente se
torna produto. No mal sentido desse sentido.
Aliás, antes mesmo de ser criada, a criação já está
capturada porque os meios de produção estão sob controle. Materiais e
imateriais.
E se algum respiro fora do esperado eclode, um pernicioso
processo se instaura imediatamente para esvaziar a intensidade da criação
tornando-a apenas mais uma forma. E glorificamos a forma como se ela fosse o sinônimo
do ato criativo, sendo que esse já não se faz mais presente. No instante em que
glorificamos a forma estamos justamente a esvaziando de sua intensidade.
Estamos muito bem treinados para colaborar com nossa própria escravatura.
A única possibilidade de sobrevivência de uma zona de criação
é desinformar a forma antes dela ser esvaziada, para que ela não se separe, não
se distinga da intensidade da qual participa. Ou antes, percebe-la como
intensidade. Não separar mais a forma do seu conteúdo, o corpo do seu espírito,
o acontecimento do seu devir, o desejo do seu sujeito, Deus da existência.
E o que o artista de hoje não sabe é justamente ver a forma
de forma indistinta da intensidade, já que ele se tornou, justamente, o criador
de formas. O reprodutor de ideais, quando não das convenções e dos hábitos,
reprodutor dos ideais esvaziados de existência, carregados de verdades, mais
socialistas, mas ainda verdades.
Nem a performance, o eventual, mantém sua eventualidade
porque o próprio artista já é o passado do que deveria ser. Por mais que ele
acredite estar criando no momento presente, e está, ele cria a partir das suas
marcas, das marcas e ressentimentos coletivos. É um reprodutor, muito longe de
ser um criador.
Nem o teatro, a arte do presente por excelência, da
efemeridade, encontrou sua desterritorialização, trancado nas salas de espetáculo,
amarrado aos textos, às convenções do existir de pessoas impotentes.
E mesmo se toma as ruas, se se entrega aos improvisos, se
tenta imaginar novas existências, perde o único instrumento de que se valeria
para ser teatro: o acontecimento. E por acontecimento não podemos nos iludir em
encontros e diálogos vestidos pela hipocrisia da qual sequer conseguimos nos
despir.
Carregada de sentido, significados e intencionalidade a
arte se afoga em seus lamentos, evapora no fogo de suas reatividades e se
perpetua, inevitavelmente, impotente.
Não à toa ainda se vê arte justamente nos pontos mais distantes das galerias, das academias, das livrarias, das cidadanias...
A lógica é simples: não tem como a arte ser viva onde a natureza está morta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário