quinta-feira, 15 de março de 2012

PAR PERFEITO


A idéia de que existe no universo uma complementariedade exata para cada um de nós aparece nas mais antigas sociedades e religiões, e sobrevive até as mais recentes: o par perfeito, a metade da laranja, a cara metade, a tampa da panela, a tão deseja ALMA GÊMEA.

Provavelmente essa idéia existe há tanto tempo porque a vontade que o ser humano sente de “parceria” é muito presente; um impulso o impele a buscar “o par”.

Obviamente há uma justificativa milenar: a natureza nos fez assim para que procriemos; essa inquieta necessidade de nos ligarmos aos pares é nada mais que o impulso natural da procriação. As religiões não modificaram muito suas perspectivas e justificativas e continuam rejeitando as novas formas de parceria diversificada dos nossos tempos, ou seja, o padrão de que nos ligamos afetivamente para nos acasalarmos é ainda um conceito que tenta se impor.


Generalizando pode-se dizer que as religiões ocidentais, judaico cristãs, são as que mais apregoam a idéia de uma parceria eterna, exclusivamente entre um homem e uma mulher. Fora desse padrão há religiões que permitem que um homem procrie com várias mulheres e, portanto ou sua metade da laranja se partiu em várias partes ou podemos nos acasalar com metades que não são as nossas....

Na experiência do dia a dia, com tantas novas tecnologias para fecundação criadas pela ciência, os pares puderam se formar das mais diferentes formas, porém, mesmo estabelecendo relações muito mais diversificadas do que os pares propostos para procriação, ainda nos percebemos lidando com os temas: “para toda vida”, “parceiro ideal” e a tal “alma gêmea”. Independente das religiões há muito latente um comportamento, talvez até um sentimento espontâneo no ser humano de ligar-se afetivamente a alguém. Já não importando por quanto tempo, nem qual gênero, nem por qual objetivo, mas apenas encontrar o par perfeito para amar, permanece muito presente a idéia de amor ideal. Mesmo quando entre pessoas mais maduras sabe-se que este ideal não significa viver sem conflitos e dificuldades, acredita-se que existe um sentimento de amor por outra pessoa que seja diferenciado de todos os outros sentimentos de amor vividos antes ou depois desse encontro.

Junto com a idéia/anseio de parceria ideal vem o conceito deste ideal: o que é um parceiro ideal? Logo somos capazes de criar uma lista de qualidades que entendemos como sinônimos dessa perfeição. Concordamos em aceitar uma encomenda não tão perfeita, mas temos SEMPRE como referência um conjunto de característica que desejamos encontrar nesse outro. E assim assumimos que outro alguém em algum lugar estará também criando sua lista de qualidades a qual deveríamos nos adequar. É inclusive baseado nesse conceito de parceria que muitos sites de relacionamento estabelecem mecanismos de aproximação entre pessoas.


Seria lindo se não fosse trágico. Criar uma lista para enquadrar alguém é facílimo, o difícil é a gente mesmo se enquadrar na lista de alguém. E não só porque nossos desejos perseguem um ideal de perfeição, ou seja, uma pessoa sem defeitos, problemas, meio “príncipe encantado” ou “mulher ideal”, mas também porque definir uma pessoa por suas características é o mesmo que pensar que a terra é quadrada!!!

Para que o sistema funcione teríamos que nos tornar uma lista de características... e tanto não somos um conjunto de elementos que podemos encontrar inúmeras pessoas pertencentes ao mesmo conjunto e que no entanto são completamente diferentes. Há quem fique tentando se encaixar na lista dos outros, e faz modificações mirabolantes no corpo e no temperamento para isso.


E pior ainda são as pessoas que tentam aceitar a própria lista que criaram: só porque a pessoa que foi encontrada tem os 10 tópicos da minha lista eu empurro ela garganta abaixo pois afinal ela tem tudo o que eu pedi pro Papai Noel!!!

Embora pareça engraçada essa é a desgraça de grande parte das nossas relações; de uma forma ou de outra, mais ou menos conscientes, todos repetimos esses conceitos e comportamentos, pois entendemos o mundo assim.

Mas muita coisa vem mudando e vai mudar ainda mais.

Um site americano que pretende provocar encontros para casamento, ou parcerias duradouras, tem provocado algumas discussões por estar alcançando índices altos nos seus objetivos. O que é interessante observar dessa experiência é que toda tática utilizada parte, como em qualquer serviço dessa natureza, de um questionário. Porém neste serviço específico, ao invés de levantar dados objetivos para buscar o parceiro ideal, a investigação feita é sobre um comportamento subjetivo do interessado. Como se comporta nesta ou naquela situação, o que irrita, violenta, agrada, como reage.... enfim, COMO É A PESSOA EM SITUAÇÃO.

Ao invés de continuarmos a ser uma lista de qualidades fixas, começamos a compreender que só somos isto ou aquilo, conforme vários fatores em situação. Uma pessoa é muito ciumenta num determinado relacionamento e em outro não; uma pessoa se apresenta covarde numa circunstância e muito corajosa em outra. Não temos um comportamento fixo, ou o que temos de fixo no nosso comportamento é muito mais resultado do nosso esforço para fixar nossa auto imagem, do que somos daquela forma.

Obviamente que a questão é muito complexa e envolve várias ciências nessa investigação, mas tanto a psicologia atual, quanto a física já de décadas vem nos revelando que nosso conceito de Unidade não pode sobreviver se sobrepondo à sua “cara metade”: a pluralidade. Nossa psique não é mais monoteísta exclusivamente, nem nosso desejo monogâmico simplesmente. Somos isto, mas também somos outras coisas, outras formas.

E o mais importante: compreender que o que somos depende fundamentalmente do outro, de como nos vê, nos imagina. Se percebermos que não estamos felizes num relacionamento talvez o problema não seja o que falta no outro (o item da minha lista que não está no parceiro), mas o parceiro que o outro solicita em mim. Não é o outro que não consegue ser o que queremos que seja, mas somos nós que não queremos ou não conseguimos ser o que o outro está nos solicitando......

O que dificulta muito para nossa visão de mundo cheia de perfis definidos, é que essa “solicitação” feita pelo outro não vem num texto redigido, nem antes da relação ter início, mas se dá em situação. Quando temos algum comportamento devemos notar que ele não diz respeito só a quem somos ou fomos, mas a como o outro nos vê. Como no experimento da nova física, deixamos de ser onda ou partícula, para nos apresentarmos como uma ou outra conforme nos é solicitado, ou nosso observador.

Se entre uma onda, algumas partículas e um observador já é surpreendente, imagine na nossa vida, com todos juntos ao mesmo tempo agora!!!!!!


Um comentário: