segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Porque DANÇA FLAMENCA



A dança flamenca sempre serviu, e ainda serve, como “cartão postal” da cultura espanhola apresentada como manifestação folclórica daquele país.

Porém a Arte Flamenca nunca conseguiu manter-se na categoria de dança folclórica, pois não é só uma manifestação cultural estática; devido a sua amplitude, aos poucos foi sendo rotulada como dança étnica e, até hoje, é vista dessa maneira nos países estrangeiros à Espanha.

Uma perda para a dança contemporânea!

A Arte Flamenca não pertence a nenhuma etnia especificamente. Embora tenha nascido no sul da Espanha, na região da Andalucia, o FLAMENCO é uma manifestação de várias culturas integradas. A convivência sócio-econômica e cultural de alguns povos, entre eles árabes, judeus, ciganos de origem hindu, e o povo nativo da Andalucia, provocou essa manifestação cultural que não encontra parentesco em nenhum outro lugar do mundo.

Camarón de La Isla


Sendo uma cultura, ou expressão artística, proveniente da integração de várias culturas, de várias etnias, o FLAMENCO não pode ser enquadrado numa categoria de dança étnica, pois representa uma diversidade e não uma particularidade de qualquer etnia. A manifestação flamenca ficou por anos encerrada nos limites do sul da Espanha e sofrendo preconceitos dentro do próprio país; esse enclausuramento deveu-se tanto a uma iniciativa de apropriação dos próprios artistas flamencos, mais particularmente dos ciganos, quanto a uma falta de conhecimento da complexidade da arte flamenca, por parte dos estrangeiros.

No entanto, nos idos dos anos 70 e 80, artistas como Paco de Lucia, Camarón de La Isla e Antonio Gades, com a colaboração da arte cinematográfica de Carlos Saura e da indústria fonográfica, expandiram os limites dessa manifestação cultural, apresentando ao mundo o FLAMENCO como uma autêntica expressão artística que disputou reconhecimento, com outras manifestações já consagradas como o Jazz ou a dança clássica.


Bodas de Sangue de Carlos Saura

O FLAMENCO é uma técnica de música e dança extremamente requintada e tem um “código” expressivo próprio e desenvolvido.

Paco de Lucia e Camarón de La Isla


A complexidade da arte flamenca envolve uma integração definida entre música, dança e teatralidade dificilmente encontrada em outras manifestações artísticas. Em verdade a música flamenca, cante e toque, pode ser realizada independente da dança, mas o baile flamenco não tem essa possibilidade inversa; é determinantemente uma dança que se realiza acompanhada de música ao vivo, o que permite a constante improvisação e a torna absolutamente teatral. O que se pode encontrar diferentemente dessa estrutura é um estereotipo elaborado sobre a linguagem da dança e não uma representação de sua essência, ou, em casos específicos, uma releitura dessa linguagem.

Por estar a dança flamenca absolutamente integrada à música, e por essa música ser de natureza bastante expressiva, apresentando sempre uma temática desenvolvida pela poesia cantada, o baile flamenco manifesta um tipo de dramaturgia que o coloca na categoria de dança-teatro.

Às vezes mais poética e abstrata, ou em outras ocasiões mais comprometida com uma narrativa e até com a formalização de personagens, a dança flamenca é por natureza uma manifestação artística da DANÇA-TEATRO, dentro de uma linguagem própria e específica.

TORERO de Antonio Canales


O FLAMENCO espanhol criou uma geração de pesquisadores que vêm se dedicando a integração do FLAMENCO com outras linguagens. No caso da dança, por exemplo, vêm sendo desenvolvidas pesquisas que integram o FLAMENCO à dança moderna de Martha Graham




ou às aplicações processuais dos trabalhos de Pina Baush; muitas explorações foram e são feitas na aproximação da dança flamenca e do teatro formal, a começar por textos de Garcia Lorca, ou textos de teatro clássico, ou uma integração da dança flamenca à comédia dell’arte que foi encenada em Madrid em 2002.


"Rinconete y Cortadillo". Compañía Javier Latorre




Porque o FLAMENCO É DANÇA-TEATRO


Israel Galván no filme de Carlos Saura

O conceito de DANÇA-TEATRO vem sendo desenvolvido e modificado a partir das inúmeras experiências desenvolvidas em torno do assunto.

Rudolf Laban e Pina Baush tornaram-se os representantes das primeiras iniciativas de categorizar uma expressão cênica que não conseguia se restringir nem a categoria da dança exclusivamente, nem a do teatro.

Apesar de muitos ainda tentarem transformar o conceito de DANÇA-TEATRO ou TEATRO-DANÇA num código de movimentos ou de expressão fixo, e passarem a reproduzir mimeticamente os resultados da pesquisa de Pina Baush, por exemplo, a DANÇA-TEATRO pode ser encontrada através dos mais diversos códigos de expressão cênica.



CHANTA LA MUI

  
Não é possível determinar tão precisamente os limites dessa “categoria” uma vez que sua essência designa justamente o trânsito “livre” entre os limites do teatro e da dança, como eram vistos. Ou seja, a manifestação cênica que se coloca naquela região de intersecção entre o teatro e a dança acaba por propor uma abordagem de DANÇA-TEATRO ou TEATRO-DANÇA.

Talvez a inserção de textos poético/dramáticos na boca de bailarinos, talvez a composição coreográfica aplicada às ações de atores, ou um teatro sem palavras ou uma dança com personagens, enfim, muitas são as possibilidades que permitem a exploração dos limites entre as artes cênicas. Se a exploração parte do campo da área teatral em direção à dança parece encontrar a categoria de TEATRO-DANÇA, se acontece o contrário, é a dança que busca se apoderar dos elementos teatrais, ganha o conceito de DANÇA-TEATRO.


É como DANÇA-TEATRO que se caracteriza a dança flamenca. Não porque se assemelhe a qualquer iniciativa já encontrada nessa categoria, o flamenco vai de encontro ao conceito da DANÇA-TEATRO por sua própria natureza expressiva.


work in progress de Bailes Alegres para Pessoas Tristes



Mas apesar desse potencial o flamenco precisou amadurecer sua linguagem para que sua dança ganhasse a amplitude expressiva da DANÇA-TEATRO. Só na atualidade, no chamado flamenco moderno essa situação se concretizou.

Com certeza as tentativas de fusão entre o flamenco e outras linguagens da dança e da ação teatral, geraram tanto possibilidades mais híbridas para a dança flamenca, como também colaboraram no amadurecimento da própria linguagem de movimento específica do flamenco.

Israel Galván

Limites sempre tênues e relativos.


Israel Galván:

para os puristas um acinte,
para os inquietos um deleite...






4 comentários:

  1. Esse post me deixou com mais saudades de voltar a dançar =)

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  2. Camilla, tomara que as saudades aumentem o suficiente pra vc voltar; a vida sem dança não tem graça... abraço.

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  3. PERFEITO!!!
    IMPECÁVEL!!
    E MAIS DO QUE BEM-VINDO.

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  4. Parabéns pela matéria e pelo blog. Apenas gostaria de acrescentar que, visivelmente como expressão ou como DANÇA TEATRO que coloca, não dá pra deixar em segundo plano a EMOÇÃO, base primordial desta ARTE. As fusões técnicas com outros estilos de dança hoje são maravilhosas e abriram um leque de opções.... mas não dá pra deixar a EMOÇÃO expressa nas letras de lado... Senão vira apenas uma estética aflamencada.

    Aproveito e lhe convido a visitar meu blog: www.flamencoymoda.blogspot.com

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