O texto a seguir de Paulo Sérgio de
Moraes, em seu blog na internet O Palpiteiro (http://opalpiteiro.blogspot.com.br/2012/09/hebe-camargo-e-o-respeito-vida-ou-falta.html),
provocou no facebook uma polemica muito pertinente que levanta desde os
impasses políticos atuais, até o papel da mídia de massa.
Eu pessoalmente acho o texto uma
belíssima reflexão não sobre a Hebe Camargo; o texto não é sobre a Hebe
Camargo!!! E por isso a importância de publica-lo diante da sua morte.
É um apelo não à morte dos
conservadores, mas do conservadorismo!!! O texto é sobre nossas escolhas e
nossas ilusões, sobre como nos iludimos com o brilho dos diamantes e holofotes
da vida das celebridades e nos esquecemos de nós mesmos, esquecemos-nos das
nossas dores coletivas. Não cabe, a partir da reflexão política que desvenda,
discutir Dilmas e Serras, Malufes ou partidos. A referência que faz a atitude
anti humanista de Hebe, não conhecida por muitos, não está colocando em
discussão direita ou esquerda!!! Já sabemos onde estava cada lado naquela
ocasião; e o que interessa aqui não é uma acusação nostálgica.
O texto está falando sobre o ícone de
alegria e de uma sociedade que não acolhe seus próprios sofrimentos. A ditadura
não torturou a Dilma ou o Herzog, torturou toda a sociedade em cada corpo,
escondeu a memória coletiva em cada corpo desaparecido; são nossos os corpos!!!
E enquanto isso damos risadas (e nada contra sorrir) com uma mulher talentosa e
carismática, envolvida em peles de animais, ornamentada em ouro e diamantes,
propagando pensamentos conservadores e úteis a ela mesma e sua classe social.
Ela não estava certa ou errada, pois era o que era e o texto nem pretende
julgá-la. Não importa A HEBE!!! Da sua pessoa lamentemos a morte é claro!!!
O texto levanta o que somos e como
esquecemos nossos sofrimentos coletivos por tão pouco!!! Como somos cruéis com
nossa própria historia e tão pouco afetivos com nossas feridas, mas tão
benevolentes com quem não se importa muito com a coletividade!!! É bem mais
simples. Uma bela reflexão e muito pertinente.
Hebe Camargo e o respeito à
vida (ou a falta dele)
Dou aulas de Geografia há de 19 anos.
Talvez poucos nomes foram tão lembrados nas minhas aulas quanto o de Hebe
Camargo. E tenho certeza de que jamais disse algo de bom a respeito dela. Muita
gente deu risada e, de vez em quando, alguém não se continha e perguntava:
"Mas por que você não gosta dela?". Para alguns alunos eu dizia as
minhas razões. Na maior parte das vezes respondia com outra pergunta: "Por
que deveria gostar dela?", ou ainda, "Dê-me pelo menos 3 razões para
gostar dela...". Nunca me disseram uma única razão.
Ontem Hebe Camargo morreu e não foram
poucos os amigos que me avisaram. Mensagens pelo celular, recados em
caixa-postal e mais de 60 notificações no Facebook me obrigaram a dizer
qualquer coisa.
A primeira coisa que pensei foi explicar,
finalmente, as razões de minha implicância com a falecida. Mas julguei que tão
importante quanto isso seria deixar claro que não havia motivo para debochar da
sua morte. Quem respeita a vida e luta contra os abusos contra ela não tem o
direito de brincar com a morte dos outros. Eventualmente uma piada ou outra
acaba saindo, em ambiente privado, descontraído. Publicamente não é bom. E no
mundo em que vivemos é preciso cada vez mais separar o que é íntimo, privado,
daquilo que pode ser público, aberto.
E eis que aí procuro me diferenciar
de Hebe Camargo. A busca pela correção naquilo que tornamos
público.
Já disse algumas vezes, para algumas
turmas de alunos, que um professor deve ter responsabilidade com aquilo que
diz. Brincadeiras à parte, manifestações racistas, preconceituosas ou que
preguem qualquer tipo de mal individual ou coletivo, devem ser combatidas, mais
do que evitadas. Na minha carreira de professor tive períodos de lecionar,
semanalmente, para centenas de alunos. Não tive o direito de pregar ódio. E
procurei ser cuidadoso com isso. Sempre, apesar de erros.
Hebe Camargo tinha um alcance maior.
Em rede nacional de TV atingia milhões de brasileiros. Era descontraída e tinha
uma capacidade de comunicação rara. Reconhecer isso não me traz nenhuma
dificuldade. Minha repulsa era justamente o que ela fazia com essa capacidade
rara de comunicação.
Quem ler o livro "Autopsia do
medo", de Percival de Souza, ficará sabendo de muitas histórias a respeito
do maior torturador do regime militar, Sergio Paranhos Fleury. Nele saberá de
ao menos uma das relações entre o delegado torturador e Hebe Carmargo.
Fleury se notabilizou pela capacidade
de combater opositores do regime militar, em especial os guerrilheiros.
Ele era um delegado de péssima reputação na polícia de SP, mas foi útil
ao empregar suas "técnicas" para a ditadura. Um promotor público de
SP, baixinho e fisicamente frágil, chamado Hélio Bicudo, ousou enfrentar o
delegado torturador, assassino e ocultador de cadáveres.
Hélio Bicudo sabia que não podia
enquadrar Fleury por crimes de combate a perseguidos políticos. Usou outra
estratégia. Resolveu enquadrar o delegado pelos abusos que cometeu ANTES de ser
agente da repressão política. Fleury fazia parte de um esquema de assassinatos conhecido
como "Esquadrão da Morte", e por ele foi processado e julgado.
A estratégia de Hélio Bicudo foi tão
engenhosa que a ditadura não tinha como livrá-lo da cadeia. A solução para a
ditadura foi mudar a lei. Inventou que réu primário não precisava necessariamente
ser preso. A lei ficou conhecida como "Lei Fleury". Criada para
livrar a cara de um delegado torturador.
No processo contra Fleury foram
arroladas testemunhas de para a sua defesa. Uma delas foi Hebe Camargo. Fleury
agenciava policiais que trabalhavam como seguranças para cantores e gente da
televisão. Por isso era bem relacionado com gente da TV. A estratégia da sua
defesa foi impressionar o tribunal com uma figura conhecida e muito
influente.
Muita gente pode ser poupada de
críticas pelo que fez ou deixou de fazer durante a ditadura. Hebe Camargo
não. Num dos momentos mais tristes da história do nosso país ela escolheu um
lado. No caso, o lado de quem não respeitava a vida e a dignidade. E fez isso
conscientemente.
No período pós ditadura não me
impressionou que Hebe apoiasse Paulo Maluf e atacasse uma figura como Dom Paulo
Evaristo Arns. Não foram poucas as vezes em que vi Hebe Camargo protestar
contra defensores de direitos humanos.
Também não me causou espanto vê-la no
falido movimento "Cansei", aquele que tentou explorar politicamente a
dor causada pela queda do avião da TAM. O movimento "Cansei" partiu
de uma ação nojenta. Usar a morte e a tristeza para interesses
político-eleitorais. Hebe Camargo mais uma vez não respeitou isso.
Num país que valorizasse a vida
humana e o respeito ao direito básicos de TODOS, Hebe Camargo não teria
público. Não seria proibida de falar as bobagens e as apologias de violência
que tanto apreciava. Num país mais civilizado ela simplesmente seria ignorada.
Entendo que uma figura como Hebe
Camargo não aparecerá novamente, pela simples razão de que a televisão já não é
a mesma. Até poucos anos atrás uma apresentadora de TV tinha um peso muito
grande na opinião das pessoas, pois não havia muitas opções. Fico muito feliz
hoje em saber que meus alunos ficam mais tempo da internet do que diante da TV.
É cada vez menor o número de pessoas que ainda assistem novela e que levam a
sério porcarias de programas como os que são apresentados na TV
brasileira.
O que lamento nessa história toda é
que a saída de Hebe Camargo da TV brasileira se tenha dado apenas por conta da
sua morte. O país que desejo para o povo seria capaz de se livrar desse tipo de
conduta sem a morte.
O respeito à vida me obriga a
continuar lutando e me manifestando nessa direção. O respeito à vida humana
que Hebe Camargo jamais demonstrou ter.
Morreu Hebe Camargo e espero que um
dia morra esse jeito nefasto e desumano de usar a TV no Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário